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Topografia:

 corpo território​

 

 

Topografia é o estudo e a descrição minuciosa da superfície de um terreno: seus relevos, formas, elevações, depressões, rios, estradas, construções... Aqui, porém, o olhar se desloca para outros mapas. A exposição revela os espaços visíveis da matéria plástica e poetiza os invisíveis da matéria humana. Lacunas, vazios, fissuras, mudanças, posições, relações, peso, fragilidades, resistências... Incontáveis aspectos emergem no processo do fazer artístico, como as metamorfoses do barro pelo fogo, as reações químicas entre pigmentos minerais, a fusão entre materiais que, em encontro e acaso, evocam metáforas da vida.​

A partir da arte dos ofícios ancestrais — costura, bordado, cerâmica, desenho, pintura com pigmentos naturais, criação com materiais coletados —, Topografia: corpo território se apresenta como um campo sensível entre corpo e espaço, entre superfícies que se abrem para corpos que não se limitam à estrutura humana. É um lugar entre corpo e mundo, entre pele e tempo, entre materialidades e metáforas da existência. Territórios porosos, tecidos por gesto, tempo e acontecimento. As coisas não são: estão. Tudo é construção, atravessamento, relação em permanente movimento.​

Débora Amaral​

Artista visual e curadora

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Cartografias do Cuidado · Cartographies of Care Toda cartografia assinala um lugar. Mais do que um lugar, invariável e imóvel, a cartografia expõe a rede de relações entre o lugar e aquilo que o cerca, de forma que mapas ilustram caminhos possíveis. Como ciência visual, a cartografia pressupõe a representação inteligível da informação, que por sua vez depende de um acordo convencional entre mensageiro e receptor. No entanto, tal acordo permite ainda uma escolha estética. Consequência dessa liberdade, mapas são também registros de expectativas fantasiosas, como mostram as primeiras cartografias modernas que localizavam nas Américas o Jardim das Hespérides ou o Éden. Um mapa é, acima de tudo, cheio de promessas. A geografia da arte reconhece o ambiente como dado cultural, além de natural. Como tal, a geografia em sua concepção ampla assinala não só um sítio físico, mas um espaço sujeito ao tempo e às disposições humanas: um lugar de história(s). Esses lugares são centrais para a compreensão da experiência humana, razão pela qual são objetos de cuidado (care). A importância do cuidado — do bem-querer, da gentileza, do carinho, da preservação — tem permeado o estado contemporâneo das relações humanas. Tanto como predisposição quanto como sistema, a noção do cuidado se dedica à preservação da sobrevida material dos nossos corpos simbólicos: dos lugares de história e de cultura, das memórias coletivas e individuais, dos registros burocráticos e artísticos das nossas identidades. Retraçar caminhos é cuidar. Na série Trocando de Pele, Yumi Shimada reflete sobre a imigração japonesa com colagens feitas a partir de recortes de livros, jornais e revistas de costura antigas. Excertos de textos competem por atenção sob as silhuetas da mulher e da criança. Mas só se distinguem algumas palavras, emblemáticas do trânsito cultural entre a Ásia e o restante do mundo: “leque”, “larva (…) bicho de seda”, “Paris”. A individualidade desses retratos é ameaçada por serpentes que não nos autorizam uma vista desobstruída dos rostos. Toda imigração, forçada ou não, prevê um processo semelhante — o do apagamento de parte da identidade e a consequente busca, muitas vezes dolorida, por reforçá-la. É preciso, até certo ponto, trocar de pele. O deslocamento geográfico, portanto, resulta no re-equacionamento da identidade cultural. Os resíduos desse processo individual, passados adiante dentro dos círculos familiares, acabam por construir memórias históricas coletivas. É essa dinâmica que informa o trabalho de Chiara Sengberg, que realiza parte significativa da sua pesquisa artística em acervos de fotos e documentos de sua própria família. Em Budapeste, o contorno cartográfico da cidade que a avó da artista forçosamente deixou nos anos 1940, traçado em carvão, conecta colagens feitas com imagens históricas da cidade. Cada colagem é composta de dois fragmentos de imagem, cuja união obedece uma orientação composicional, fugindo de binômios temáticos estéreis. A obra encoraja, assim, a leitura de uma sobreposição orgânica de mundos distintos, recuperando histórias de trânsitos. Refazer trajetos é não esquecer. De todo deslocamento depreende-se um tempo. Em Brocas, Ellion Cardoso apropria-se de quatro troncos de aroeira marcados pelas brocas, inseto que na fase de larva consome a madeira deixando nela inscritos os caminhos percorridos. O mapa traçado pelas larvas de broca (anunciadas, pode-se dizer, na colagem de Yumi) é um registro tanto geográfico quanto temporal. Tal apelo temporal, enquanto testemunho de um deslocamento decorrido no tempo, é complementado pelo movimento intermitente do Penduricalho_1 de Ósi. Respondendo ao estímulo do observador, as duas hastes de ferro magnetizadas põem-se em movimento e passam a buscar uma à outra não obstante a repetida e mútua repelência. Tanto Ósi quanto Ellion questionam nesses trabalhos a própria autoria da obra de arte. Ambos transferem sua agência a uma entidade externa — às larvas e à inevitabilidade da física. Ao passo que ‘um outro’ reclama sua autonomia, o artista se desloca ao segundo plano, assumindo a posição de viabilizador. É assim também com a série de gravuras de Débora Amaral, criadas a partir da imersão do papel em água, na qual é acrescentada a tinta. Absorvidos pelo papel, os caminhos que a tinta nele imprimem são o produto da interação nervosa entre água e tinta e se assemelham com um mapa topográfico. Dessa forma, a aleatoriedade e momentaneidade do processo remetem a algo que nada tem de aleatório e momentâneo: às texturas geológicas, aos milenares nanquins orientais, à superfície lunar. Ao ceder o espaço para a auto[1]determinação do outro, Débora, Ellion e Ósi relativizam suas próprias autorias e promovem, com generosidade, uma forma alternativa de estar no mundo. Uma rede coletiva de cuidado demanda, ainda, o questionamento do estado das coisas, por vezes até através do flerte com o distópico. É o que se vê nos trabalhos das séries Amazônia em chamas e O que resta, de Maria Renata Pinheiro, que denunciam a negligência perniciosa da Amazônia em detrimento de uma cartografia consciente. O carvão e a fuligem usados na composição dos desenhos profetizam o destino provável dessa rota que coloca a natureza como empecilho para a modernização. Afinal, olhar para a ruína não implica somente o passado, sendo também um exercício de futuro: toda ruína é um testemunho do que nos tornaremos. A nossa fragilidade civilizacional é tema das paisagens urbanas de Fernanda Luz Avendaño, onde a precariedade social é simbolizada pelas construções em escombros e pela decadência de uma arquitetura cosmopolita outrora adotada pelas metrópoles latino-americanas que aspiravam ser modernas. Em Depois do Terremoto III Fernanda explora a ruína de espaços culturais e questiona o papel do homem nesses cenários de destruição. Simultaneamente documento de algo que não existe mais e prenúncio de um futuro possível, as obras de Renata e Fernanda expressam, de um lado, o colapso do meio-ambiente; de outro, o da civilização. O tema encontra seu eco em Trilhos, obra articulada por Ósi a partir de dois fragmentos de trilho magnetizados. Metáfora máxima da dialética do progresso, o trem do desenvolvimento tecnológico é o mesmo que seguiu os trilhos até Auschwitz. No entanto, esses Trilhos são manipuláveis, o que sugere uma saída: de modo colaborativo, somos convidados a fantasiar novos caminhos. Essa exposição tem vários endereços: Japão, Hungria, Amazônia, América Latina e São Paulo. Cartografias do Cuidado mapeia abordagens singulares sobre o cuidar. Ao passo que cada artista apresenta sua própria geografia do bem-querer, amparada por uma topografia pessoal, o cuidado é aqui apresentado como uma forma de resistência; como proposição empática de reordenamento dos valores vigentes. Desse modo, o espaço expositivo se apresenta como um espaço de cuidado. Como toda mostra de arte, Cartografias do Cuidado é um convite para uma experiência compartilhada que questiona o mundo lá fora ao mesmo tempo que é sintoma dele.

Edifício Vera
Exposição Década do Oceano.jpg

Em construção! Em breve iremos expor o texto curatorial.

Em construção! Em breve iremos expor o texto curatorial.

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